A MINHA FAMÍLIA
Esse era o primeiro parágrafo da redação de uma menina que devia frequentar a 4ª ou 5ª série. Um manuscrito a lápis, palavras em extenso, letras redondas e bem legíveis. Frases dispostas em linhas onduladas, pois era uma atividade escrita numa folha de ofício. E apesar de conter algumas palavras em círculo para posterior correção ortográfica, a aluna ganhara de sua professora um retumbante “ÓTIMO! Parabéns pela tua sinceridade!”
Datado em 17.05.07, esse texto não trazia o nome do colégio, nem a série da aluna, repito, mas apenas o primeiro nome da menina. Vinha o título em letras garrafais e coloridas, como também coloridos eram os corações partidos, as florzinhas, os beijos, as carinhas que ensaiavam tímidos sorrisos. Cores vivas, quentes e frias se alternavam na folha.
Uma folha branca que, junto a outras folhas secas de abacateiro descrevera círculos rasantes como garças desgarradas em meio a um torvelinho de outono, e que causara inquietação a um basset de pêlo branco com pintas pretas, que sempre me acompanha durante as caminhadas de fim de tarde. Apanhando a folha no ar e acalmando o pequeno guardião que latira contra o estranho objeto voador, seguíamos pela rua sem calçamento de um bairro pobre ao sul da cidade. Era ao cair da noite, e a estradinha estava deserta àquela hora. Com os últimos vestígios de claridade que vinham do céu, acompanhava o relato da menina.
Que dizia adorar a sua mãe, uma dona de casa que “arruma lá, arruma ali”, que gostava de ir à escola: “essa é a minha profissão.” No entanto dizia: “Meu pai é um homem adorável (...), adoro a profissão dele (eletricista).” Também gostava de conversar com ele, quando vinha visitá-la, contando como foi o seu dia de aula. Só não gostava “quando esquecem de mim.” Às vezes prometiam levá-la para brincar na praça e não a levavam. “Isso é chato.” E principalmente não gostava quando seu pai fumava e bebia. “Gostaria que ele mudasse.”
Outras frases: das atividades escolares: “Eles falam comigo sobre o que preciso melhorar.” Das inquietudes: “Eu deixo a minha família melhor quando eu estou bem de saúde.” Da sua felicidade: “O que mais admiro em minha família é quando estamos juntos. Eles brincam comigo. Isso eu amo.”
Legal! (Finalizara assim a professora e, naquele momento, também eu.)
E quando a cidade já se iluminava, como despedida, ao voltar para casa, dirigi-me em pensamento à menina:
“Mariane (esse era o seu nome), que Deus te dê em toda a tua vida saúde, alegria e essa fantástica e singela capacidade de amar. Que teu pai, se ainda não o fez, retorne –são e salvo- ao convívio de vocês. E que, juntos, sejam felizes. Muito felizes. Um beijo.”
Giruá, Terra dos Butiazeiros, março de 2008.
As vezes uma pessoa próxima esta mais distante que gostaríamos....
ResponderExcluirAssim como uma que esta distante, mais próxima, não é?
ExcluirObrigado pela visita e comment.