quinta-feira, 12 de abril de 2012

A MINHA FAMÍLIA

                                        


 A MINHA FAMÍLIA
      




       “A minha família é formada por  minha mãe e eu, sem o meu pai.”
        Esse era o primeiro parágrafo da redação de uma menina que devia frequentar a 4ª ou 5ª série. Um manuscrito a lápis, palavras em extenso, letras redondas e bem legíveis. Frases dispostas em linhas onduladas, pois era uma atividade escrita numa folha de ofício. E apesar de conter algumas palavras em círculo para posterior correção ortográfica, a aluna ganhara de sua professora um retumbante “ÓTIMO! Parabéns pela tua sinceridade!”
        Datado em 17.05.07, esse texto não trazia o nome do colégio, nem a série da aluna, repito, mas apenas o primeiro nome da menina. Vinha o título em letras garrafais e coloridas, como também coloridos eram os corações partidos, as florzinhas, os beijos, as carinhas que ensaiavam tímidos sorrisos. Cores vivas, quentes e frias se alternavam  na folha.
        Uma folha branca que, junto a outras folhas secas de abacateiro descrevera círculos rasantes como garças desgarradas em meio a um torvelinho de outono, e que causara inquietação a um basset de pêlo branco com pintas pretas, que sempre me acompanha durante as caminhadas de fim de tarde. Apanhando a folha no ar e acalmando o pequeno guardião que latira contra o estranho objeto voador, seguíamos pela rua sem calçamento de um bairro pobre ao sul da cidade. Era ao cair da noite, e a estradinha estava deserta àquela hora. Com os últimos vestígios de claridade que vinham do céu, acompanhava o relato da menina.
        Que dizia adorar a sua mãe, uma dona de casa que “arruma lá, arruma ali”, que gostava de ir à escola: “essa é a minha profissão.” No entanto dizia: “Meu pai é um homem adorável (...), adoro a profissão dele (eletricista).” Também gostava de conversar com ele, quando vinha visitá-la, contando como foi o seu dia de aula. Só não gostava “quando esquecem de mim.” Às vezes prometiam levá-la para brincar na praça e não a levavam. “Isso é chato.” E principalmente não gostava quando seu pai fumava e bebia. “Gostaria que ele mudasse.”
        Outras frases: das atividades escolares: “Eles falam comigo sobre o que preciso melhorar.” Das inquietudes: “Eu deixo a minha família melhor quando eu estou bem de saúde.” Da sua felicidade: “O que mais admiro em minha família é quando estamos juntos. Eles brincam comigo. Isso eu amo.”
         Legal! (Finalizara assim a professora e, naquele momento, também eu.)
         E quando a cidade já se iluminava, como despedida, ao voltar para casa, dirigi-me em pensamento à menina:
         “Mariane (esse era o seu nome), que Deus te dê em toda a tua vida saúde, alegria e essa fantástica e singela capacidade  de amar. Que teu pai, se ainda não o fez, retorne –são e salvo- ao convívio de vocês. E que, juntos, sejam felizes. Muito felizes. Um beijo.”

                                         Giruá, Terra dos Butiazeiros, março de 2008.

       

2 comentários:

  1. As vezes uma pessoa próxima esta mais distante que gostaríamos....

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Assim como uma que esta distante, mais próxima, não é?
      Obrigado pela visita e comment.

      Excluir

Seja bem-vindo. Sua opinião é muito importante. Obrigado.