sexta-feira, 29 de junho de 2012

TOBI

                             

       Divina é a Rosa
       De perfume  embriagante,
       Festejada pelos poetas
       Desejada pelos amantes.
       O diabo são os espinhos...
       E como Tobi sabe disso!
       Para visitar uma namorada
       Procurou ele um caminho.
       Entre a cerca e a roseira
       Logo deu  um jeitinho...
       Por que a paixão é um fogo
       Que consome de mansinho...  
       E assim lá chegando
       A sua amada se emocionou:
       Tobi levava uma rosa
       Na orelha que sangrou!...
       Divina é a Rosa.
       O diabo são os espinhos...


                        
                                    
                                  Maio/2012

sábado, 23 de junho de 2012

OLHA O ROQUE!


Era só ele chegar no portão, à tardinha, cansado do trabalho que o papagaio, enorme, verde, vermelho  e velho, numa gaiola de arame, pendurada numa travessa da varanda de uma casa de madeira, feito alarme, disparava:
-Olha o Roque! Olha o Roque!
Ele ficava feliz, retribuia aquelas boas-vindas trocando a água, repondo algum alimento e fazendo um carinho rápido no recepcionista; e assim  esquecia  um pouco da fadiga do dia.
Depois entrava na casa, a mulher quase sempre na limpeza e arrumação, do quarto para a sala, da sala para a cozinha, etc. Casados há um bom tempo, não tinham filhos. Nem gato, nem cachorro. Só o papagaio. Que era o que mais falava naquela casa de quatro cômodos.
Uma vez, porém, não se sabe por quê, o louro não avisou quando Roque abriu o pequeno portão, aliás um pouco mais cedo do que a hora habitual. E foi naquele dia que ele flagrou sua mulher na cama com o vizinho, que era gordo e não conseguiu escapulir pela janela...
E Roque ficou só. Nem tão só, porque na prisão sempre tem alguém querendo saber  do papagaio. E Roque a repetir, como se nada tivesse a ver com ele, as três palavras amargas que também usa  para informar sobre o amante da ex-mulher: "Aquele já era."


                                                Março/2009


sexta-feira, 15 de junho de 2012

NEGRO



                                       

                                                




 (Poesia regional para declamação.)


Num bolicho em minha terra
-lá na Boca da Picada,*-
entre outros malevas*
um tal de Negro
se encontrava.
Tomando a canha* de espera,
uma encrenca farejava,
com os olhos de uma fera,
em seu canto espreitava.

Era domingo de tarde,
depois de uma chuva braba,
foi lá na minha terra,
-lá na Boca de Picada.

Quem se lança na peleia
-na mesma regra do dado,-
tem na Sorte uma parceira
mais a Morte a seu costado.
Por que a alma que anseia
é um potro mal-domado,
pra comprar a dor alheia
o Negro pagava dobrado!
 
Era domingo de tarde,
depois...

Quando a coisa encrespou
o Negro puxou da pistola
-que deu um tiro e engasgou,-
s'embolaram lá fora...
Na sombra do oitão
taparam o Negro de adaga.
Entre o ferro e a parede
sua alma se entregava...
Sem  ajuda do irmão
que correu da empreitada,
se não fosse uma mulher
-que gritou de supetão:-
não matem o desgraçado
na porta da minha casa!
o Negro virava...
assombração.

Era domingo de tarde...

Uma hora depois
-em outra freguesia,-
por que ninguém fez
o que o Negro pedia,
ele mesmo pegou
uma faca bem afiada,
-dois dedos que balançavam-
o próprio Negro decepou.
E os pedaços pra bem longe
por uma janela atirou!...

Era domingo de tarde...

No rincão inda é lembrada
como a história terminou:
um pano o Negro levava
na mão que estropiou,
e atirava pela estrada
com a pistola que falhou,
atirando ele gritava:
pra espantar a raiva...
e a dor.

Era domingo de tarde
depois de uma chuva braba,
cheirava marcela pelos campos,
gritava saracura pelas canhadas,
no recanto da minha terra
-lá na Boca da Picada.


                                              Junho/2008



*Boca da Picada: comunidade interiorana de Santo Ângelo, município gaúcho.
 Maleva:  sujeito brigão, mal-encarado.
 Canha: cachaça, pinga.

(Este entrevero realmente aconteceu, há 46 anos, aproximadamente.)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Pro pai? Pro esposo?

     




     Mãe e filha entram num mercado. Um rapazinho, filho do proprietário, se aproxima, tímido, cortês, com as espinhas da idade.
    -Posso ajudá-las?
    -Queria ver uma sandália...- responde a filha.
    -Pra homem, pra mulher...
    -Pra homem, presente...
    -Pro pai, pro esposo?...
    -Pro pai...
    Aproximava-se o dia dos pais.
    -Aqui, ó - indica uma prateleira. -Que número seria?
     (Por cortesia, não revela-se o número que ela  responde.)
    Escolhido o calçado (azul, para um gremista confesso), o atendente insiste:
   -E pro esposo, não vai nada?
   -Já comprei.
    Dirige o olhar para a outra:
   -A senhora, também vai levar um presente?
    A outra repete: "Já comprei."
    Retorna à primeira:
   -Falar em esposo- em tom reservado, enquanto prepara o pacote de presente, - o seu não é um assim-assim , que gosta de política?
   -gosta de política....
   -Pois é, ele vem aqui de vez em quando, descasca bergamota e fala, fala de política com o meu pai...
   -Sim, é esse mesmo!
   -Mas ele é... assim, já é bem maduro, não é?
   -Sim, peguei ele pra terminar de criar...
    Risadas. O rapaz fica encabulado. Porém, não desiste:
   -Mas já deve ter uns 50, não?
   -46.
   -E a senhora?...
   -18.
   Ele a observa. Faz cara de espanto. Cara de quem esta calculando. Estala o resultado:
  -Nossa! Esse mundo tá perdido!
  -Tava brincando. Tenho 31...
  -Mas mesmo assim... É...
   Quando elas vão saindo, o rapaz, com cara de quem pisou na bola:
  -Não contem nada pra ele do que  falei, tá?
  -Pode deixar.
   Pois a mulher, chegando em casa, não se aguenta, conta com todos os detalhes e ainda tira um sarro da cara do marido. Ele balança a cabeça, ensaia  um sorriso, e numa voz que não lembra ninguém a não ser ele mesmo, contra-ataca:
                
             E pensar que era você,
            que vivia chorando por mim... 


                                                               Agosto/2006.

sábado, 2 de junho de 2012

A LUA E A PIPOCA











             
             


                Era noite de São João
                - céu escuro feito goela -
                eu fritava grão de milho
                num colosso de panela...
 
                De repente uma explosão
                - que chacoalhou a Terra -
                e uma baita pipoca
                escapou pela janela!!!

                Procurei pelo quintal,
                com ajuda de uma vela,
                mas nenhum sinal
                da que fugiu da panela.

                     
                            ***

                Tanto tempo se passou
                - inda lembro como era -
                nunca vi outra pipoca
                tão imensa quanto aquela.

                Toda vez que vejo a Lua
                - eu desconfio dela : -
                não será aquela pipoca
                que escapou pela janela?...

               

                                    


                                               Junho/2006