Selmiro vende vassouras. Vassouras de palha. Vende, faz, e planta. Isto é, cultiva a cerda, de que é feita a vassoura.
-Qué comprá vassora, vizinha?
Alto, magro, melena amarelada a escorrer pela nuca, ele próprio fazendo lembrar um desses utensílios imprescindíveis na lida doméstica: a vassoura.
Boné vermelho, camisa verde, bateu palmas no portão: Qué comprá vassora, vizinha? A mulher foi lá, conferiu a mercadoria, perguntou quanto, ele respondeu alguma coisa.
Enquanto ela voltava pra pegar o dinheiro, dei uma pausa no meu trabalho e fui ver de perto as vassouras que aquele sujeito delgado (não sabia que se tratava do Selmiro) balançava contra o azul da manhã de sábado.
-Die Besen,*- murmurei ao me aproximar do portão.
-Ja. Neue Besen kehren gut,**- e um largo sorriso pôs à mostra uma dentadura novinha em folha.
-Aber gewiss,***- respondi. -Quanto?
-Sete real cada uma.
-As duas por doze?
-Não, não posso. O prego e o arame tá um olho da cara. Mas por treze eu faço.
Eram vassouras grandes, largas e rijas. A costura bem apertada. Quando a mulher voltava com o dinheiro, avisei que íamos ficar com as duas.
-Qual é seu nome? - perguntei, confesso, por perguntar.
Numa voz áspera e fina, respondeu-me alguma coisa que, pela minha expressão, dever ter percebido que eu não tinha entendido direito.
-Selmiro. Com s, - esclareceu ele, como se eu tivesse confundido com Delmiro, Olmiro, ou sei lá.
-Selmiro com s, repeti, achando graça. -E mora aonde, Selmiro? Independência? Interior?
-Sim. Perto da propriedade do pai do professor (cujo nome não recordo agora).
-Você mesmo faz as vassouras?
Ele próprio as fazia. Com a ajuda da mulher. E também plantavam (as cerdas). Só compravam o cabo, prego, arame e barbante. O resto era com ele e sua esposa. E um outro largo sorriso de satisfação iluminou aquele semblante castigado pelo trabalho de sol a sol.
-Agora a vizinha ali vai ficá pra otra vez...
-O quê?
Uma moradora do outro lado da rua ficara de comprar uma vassoura "na volta", porque o marido não estava, ele que tinha levado o dinheiro.
-Não senhor. Não podemos deixar a vizinha sem vassoura.
E devolvemos uma.
Neste mundo conturbado e poluído, onde grassam a ganância e o egoísmo, Selmiro (com s), mais sua esposa, produzem oportuníssimas vassouras. Sem prejuízo da graça e leveza, são reforçadas e consistentes, pré-requisitos fundamentais para esses instrumentos que promovem o almejado bem-estar doméstico. E custam apenas sete reais a unidade. Ou duas por treze. Não por menos, porque o prego e o arame "tá um olho da cara".
Março/2009
* - As vassouras.
** - Sim. Vassouras novas varrem melhor.
***- Certamente.
Gostei da crônica. Lembrei-me dos meus tempos de criança quando um velho senhor batia de porta em porta oferecendo suas vassouras de piaçava que ele mesmo confeccionava. Era uma gritaria só para anunciar as "benditas" vassouras.Era divertido.
ResponderExcluirAbração.
Boa história,
ResponderExcluirbjkas
Mto legal a crônica
ResponderExcluirObg pela visita e coment e por seguir por lá.
Fiquei aqui pensando qt coisa não bate mais a minha porta como qd batia na porta de minha casa qd eu era pequena, como os vassoureiros, amoladores de tesouras e facas, entregadores de listas telefônicas...
Essas pessoas simples e essas simples histórias de nosso cotiado são de uma riqueza singular, que nenhum livro ou escola ensinam.
Uma semana inspiradora e rica de pequenas-grandes "coisas" por ai.
Gostei bastante da crônica, criativa e nos faz refletir ! :)
ResponderExcluirObrigada pelo comentário
Beijos