quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O COBRADOR





-Tem lugar lá nos fundos, gente. Vamos dar mais um passinho no corredor - implorava com voz chorosa o cobrador deu um ônibus lotado até às goelas.
A cada parada, mais gente subindo que descendo.
-Por favor, pessoal, mais um passinho no corredor...
Começaram os resmungos. No corredor, em pé, muitos não obedeciam. Um grita: "Ponham mais um carro nesse horário!" (09:45, de Santa Rosa a Santo Cristo.)
Outra parada. Desce um, sobem dois.
-Gente, vamos colaborar. Mais um passinho...
Foi aí que um menino de 6 a 7 anos, espremido no corredor entre duas senhoras de peso, não se conteve:
-Mas que homem mais enjoado!
Uma gargalhada geral sacode o velho e surrado ônibus. Mas o cobrador, decerto já curtido de xingamentos e reclamações, permanece inabalável.
E o carro seguia devagar, quase parando. E mesmo sob protestos, a cada parada ia inchando, feito o  nosso planetinha, onde  quando morrem dois, nascem três. Vamos colaborar, gente. Tem lugar lá nos fundos...


                                                           Maio de 2007.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

MEU VELHO


Para Jesus da Costa Lyra


Neste segundo domingo de agosto, Dia dos Pais, fui ver meu velho. Ele nunca deu lá grande importância a flores, mas mesmo assim levei-lhe um buquê de crisântemos brancos. Com as flores, ofertei-lhe meu coração, meus olhos e um Pai Nosso que de memória sei aos pedaços. 
Dia l0 deste mês ele teria feito 87 anos. Faria, porque faleceu num trevo da rs 344, numa manhã nublada de domingo, nove de novembro de 2003. Ele, um velho caminhoneiro, que nunca se envolveu em acidente, foi atropelado por um carro de passeio. C'est la vie, diria Juremir (Machado da Silva). Meu velho sempre dizia que preferia ter uma morte rápida, sem sofrer e fazer sofrer. Cheio de viço, aos 78 anos, foi ao encontro do  seu algoz  pedalando sua velha e inseparável  companheira para pequenos passeios. 
Neste domingo de agosto havia vento norte, e um sol entristecido e morno. Flores e vasos caídos. Algumas sepulturas limpas e enfeitadas. Outras, como que abandonadas. É que  muita gente mal suporta o próprio fardo da vida. Quando muito trazem uma flor e um balde de água para seus entes queridos, em dia de finados.
Meu pai, quando morava em um sítio, tinha um vizinho com quem gostava de conversar; e ajudavam-se mutuamente. Por obra do acaso, e de um infarto ocorrido  alguns dias antes do infortúnio do meu pai, esse senhor hoje descansa a poucos passos do velho.
As virtudes, e também os defeitos, no transcorrer do tempo se convertem em hábitos. E estes possuem um poder impressionante. Entre outras bondades, meu velho cultuava o hábito  da partilha. Seria capaz de dar a camisa que estava vestindo se algum necessitado assim lhe pedisse. Daí, não é de estranhar que uma parte das flores e algum vaso que deixamos pra ele, na próxima visita encontramos no túmulo do seu eterno vizinho. Vejo que meu velho continua o mesmo. E afinal, o que é um punhado de flores pra quem, em vida, nunca ligou pra isso?...

.....
O Velho Caminhoneiro
na Divina Pousada
vai viver na lembrança
de quem vive na estrada.