quarta-feira, 25 de abril de 2012

HISTÓRIA DE UMA DOR EM DÓ MAIOR








Era João filho de Maria, negra analfabeta cujo corpo vendia.
Menino João pelas ruas cresceu, o perigo e a fome
disputaram o Homem que Maria concebeu.
Levava a vida juntando sucata, tarefa ingrata
magoava seu coração.
Pequeno herói, ao findar do dia, cadê a Esperança?
Acaso existia? (Acaso existia?)
Pobre João, por achar talvez
que o Destino negara melhores searas,
queria viver na embriaguez.
(Na embriaguez?!)
Mas Deus é grande, e a tudo assiste,                       na  gravidade da hora enviou-lhe uma Senhora,
para que João, João desistisse.
Acertada incumbência, pois essa Senhora,
Mãe de Providência, assim lhe disse:
João meu filho, não caia nesse vício.
Não é solução, é desperdício.
Tenha paciência, neste mundo de ciência
alguma lhe dará maior benefício.
(Maior benefício!)
Ficou João sem saber o que dizer,
mesmo assim prometeu que não iria beber.
Sentiu-se bem diferente,
não sabia por que, mas estava contente.
(Estava contente!)
             
                 *********

Certa manhã João trabalhava,
e algo chamara a sua atenção:
uma carteira de bolso, toda orvalhada,
jogada no chão.
Nela encontrou somente um cartão
com  nome e telefone de um cidadão.
Como se fosse um apelo
João ligou bem ligeiro de um orelhão.
(Uma senhora atendeu, bastante aflita:
queria notícias do marido
que havia sumido sem deixar uma pista.
João respondeu que nada sabia,
apenas achara por ali sua carteira [quase] vazia.)
Avisaram a polícia. Um cativeiro
foi encontrado, e o senhor em questão
finalmente libertado.

                    *********

Nosso João foi comentário geral,
figura estampada em muito jornal.
Além do quê, recompensado:
uma vaga em curso de jardinagem,
pensou que era sacanagem
mas estava enganado.
(Estava enganado!)

                  *********

E assim a cada dor uma flor,
Deus transformou aquela vida sofrida
num grande jardim.
E assim a nossa história acabou,
olhai Deus agora pra outras histórias
de dor sem
                      fim.
                                              
                                                  08/2004










quinta-feira, 19 de abril de 2012

QUINHENTOS REAIS

    O senhor me acredite, ele chegou em casa era uma fera, batendo tudo que é porta.
    -Mas o que aconteceu, homem do céu?
    Sim, o que aconteceu, pois ultimamente andava tão faceiro, tinha conseguido se aposentar, fazia planos: ia comprar isso, consertar aquilo - a casa precisando de reforma. O senhor sabe, desde que a gente veio morar na cidade, só se vivia do arrendamento da terra, às vezes pagavam, às vezes não, conforme iam as colheitas. Mas voltando:
    -O que foi? - repeti.
    -Perdi 500 reais!
    -De que jeito, do bolso?
    -Antes fosse! Ai vagabundas!
    Ai vagabundas? Bem que eu desconfiava. Uma vez me contaram que ele andava me aprontando por aí. Não dei bola. "Quem vai querer um velho barrigudo e cascorrento?" pensei. Pois bem:  uma vez depois lavando a roupa, o que encontro na cueca dele? Bichos! Sim senhor, bichos correndo no fundo da cueca! Fui na loja, comprei uma cama, e assim que trouxeram eu disse: "Taí, ó: a partir de hoje vai dormir aqui, sozinho neste quarto. E trate de arrumar alguém pra lavar tua roupa, seu relaxado!" Agora, de novo?!
    -O que tem as vagabundas?
    -A desgraçada, mãe da piranhinha, me garantiu que a guria era virgem. Que virgem coisa nenhuma! Folgada! Já tinha ido uma duas ou três vezes!
    -Bem feito! - gritei. Me deu um ódio. Deus me perdoe, mas tive vontade de quebrar a cabeça dele à paulada. Chorei de raiva! Saí. Fui na vizinha. "Por que teu marido gritava tanto?" quis saber ela. "Ah, perdeu 500 reais", respondi. "Coitado..." disse a outra.
    Quando voltei, o desgraçado roncava feito porco, estirado na cama, de chinelo e tudo. E uma garrafa de cachaça vazia no lado. Olhei na carteira dele: ainda tinha 50 reais. Pensei: "Se tem pras vagabundas..."´
    Pastor, vim aqui trazer o dízimo, e pedir uma oração. Pra ver se ele se endireita. No fundo não é má pessoa. O que estraga é a cachaça. Meu filho que está bem lá no Paraná, hoje me telefonou. Contei o que tinha acontecido. "Mãe, por que a senhora não atropela ele de casa? Se precisar de alguma coisa eu lhe ajudo. "Não, meu filho. Ainda tenho esperança. Pra Deus nada é impossível."
    (Fora, soprava um ventinho gelado, como quem pergunta: o que fizeram no verão? "Pobre criatura", pensou o pastor, junto à janela, olhando a mulher sumir lentamente pela ruazinha amarelada pelas folhas caídas dos cinamomos. Apertou a nota de 50 na mão. "Perdi 500 reais.")

     
  

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A MINHA FAMÍLIA

                                        


 A MINHA FAMÍLIA
      




       “A minha família é formada por  minha mãe e eu, sem o meu pai.”
        Esse era o primeiro parágrafo da redação de uma menina que devia frequentar a 4ª ou 5ª série. Um manuscrito a lápis, palavras em extenso, letras redondas e bem legíveis. Frases dispostas em linhas onduladas, pois era uma atividade escrita numa folha de ofício. E apesar de conter algumas palavras em círculo para posterior correção ortográfica, a aluna ganhara de sua professora um retumbante “ÓTIMO! Parabéns pela tua sinceridade!”
        Datado em 17.05.07, esse texto não trazia o nome do colégio, nem a série da aluna, repito, mas apenas o primeiro nome da menina. Vinha o título em letras garrafais e coloridas, como também coloridos eram os corações partidos, as florzinhas, os beijos, as carinhas que ensaiavam tímidos sorrisos. Cores vivas, quentes e frias se alternavam  na folha.
        Uma folha branca que, junto a outras folhas secas de abacateiro descrevera círculos rasantes como garças desgarradas em meio a um torvelinho de outono, e que causara inquietação a um basset de pêlo branco com pintas pretas, que sempre me acompanha durante as caminhadas de fim de tarde. Apanhando a folha no ar e acalmando o pequeno guardião que latira contra o estranho objeto voador, seguíamos pela rua sem calçamento de um bairro pobre ao sul da cidade. Era ao cair da noite, e a estradinha estava deserta àquela hora. Com os últimos vestígios de claridade que vinham do céu, acompanhava o relato da menina.
        Que dizia adorar a sua mãe, uma dona de casa que “arruma lá, arruma ali”, que gostava de ir à escola: “essa é a minha profissão.” No entanto dizia: “Meu pai é um homem adorável (...), adoro a profissão dele (eletricista).” Também gostava de conversar com ele, quando vinha visitá-la, contando como foi o seu dia de aula. Só não gostava “quando esquecem de mim.” Às vezes prometiam levá-la para brincar na praça e não a levavam. “Isso é chato.” E principalmente não gostava quando seu pai fumava e bebia. “Gostaria que ele mudasse.”
        Outras frases: das atividades escolares: “Eles falam comigo sobre o que preciso melhorar.” Das inquietudes: “Eu deixo a minha família melhor quando eu estou bem de saúde.” Da sua felicidade: “O que mais admiro em minha família é quando estamos juntos. Eles brincam comigo. Isso eu amo.”
         Legal! (Finalizara assim a professora e, naquele momento, também eu.)
         E quando a cidade já se iluminava, como despedida, ao voltar para casa, dirigi-me em pensamento à menina:
         “Mariane (esse era o seu nome), que Deus te dê em toda a tua vida saúde, alegria e essa fantástica e singela capacidade  de amar. Que teu pai, se ainda não o fez, retorne –são e salvo- ao convívio de vocês. E que, juntos, sejam felizes. Muito felizes. Um beijo.”

                                         Giruá, Terra dos Butiazeiros, março de 2008.

       

domingo, 8 de abril de 2012

CRONICANDO

Em malas y buenas você vai saber Como não se deve matar um gato, surpreender-se com a professora Veruska, e rir em Uma questão de freio.

sábado, 7 de abril de 2012