Mãe e filha entram num mercado. Um rapazinho, filho do proprietário, se aproxima, tímido, cortês, com as espinhas da idade.
-Posso ajudá-las?
-Queria ver uma sandália...- responde a filha.
-Pra homem, pra mulher...
-Pra homem, presente...
-Pro pai, pro esposo?...
-Pro pai...
Aproximava-se o dia dos pais.
-Aqui, ó - indica uma prateleira. -Que número seria?
(Por cortesia, não revela-se o número que ela responde.)
Escolhido o calçado (azul, para um gremista confesso), o atendente insiste:
-E pro esposo, não vai nada?
-Já comprei.
Dirige o olhar para a outra:
-A senhora, também vai levar um presente?
A outra repete: "Já comprei."
Retorna à primeira:
-Falar em esposo- em tom reservado, enquanto prepara o pacote de presente, - o seu não é um assim-assim , que gosta de política?
-Só gosta de política....
-Pois é, ele vem aqui de vez em quando, descasca bergamota e fala, fala de política com o meu pai...
-Sim, é esse mesmo!
-Mas ele é... assim, já é bem maduro, não é?
-Sim, peguei ele pra terminar de criar...
Risadas. O rapaz fica encabulado. Porém, não desiste:
-Mas já deve ter uns 50, não?
-46.
-E a senhora?...
-18.
Ele a observa. Faz cara de espanto. Cara de quem esta calculando. Estala o resultado:
-Nossa! Esse mundo tá perdido!
-Tava brincando. Tenho 31...
-Mas mesmo assim... É...
Quando elas vão saindo, o rapaz, com cara de quem pisou na bola:
-Não contem nada pra ele do que falei, tá?
-Pode deixar.
Pois a mulher, chegando em casa, não se aguenta, conta com todos os detalhes e ainda tira um sarro da cara do marido. Ele balança a cabeça, ensaia um sorriso, e numa voz que não lembra ninguém a não ser ele mesmo, contra-ataca:
E pensar que era você,
que vivia chorando por mim...